UBImuseum n.02

Editorial

  • António dos Santos Pereira
  • asp@ubi.pt
  • Universidade da Beira Interior
  • Director do Museu de Lanifícios

A ubimuseum entra no seu segundo ano em rede e nela insiste ao disponibilizar os novos elos que unem o Museu de Lanifícios à sociedade envolvente, cumprindo a sua missão “na rota da lã”, na região culta da Beira Interior e em todo do mundo. Um excelente rol de novos artigos faz a prova do crescimento da revista e do reconhecimento da comunidade científica que nela quis participar ativamente. Os colaboradores do Museu de Lanifícios abrem por ela uma janela de algumas das suas atividades. A “Bibliografia dos Lanifícios”, que começamos a publicar, representa a entrada do Museu de Lanifícios na Rede História, Indústria, Património, onde foi apresentada como comunicação, no seu primeiro congresso e é ponto de partida de um projeto mais longo do seu Centro de Documentação...

Bibliografia Portuguesa dos Lanifícios

  • António dos Santos Pereira
  • asp@ubi.pt
  • Universidade da Beira Interior
  • Director do Museu de Lanifícios

A bibliografia dos lanifícios implica o levantamento de toda a legislação afim, desde os antigos regimentos, aos novos enquadramentos na Organização Mundial do Comércio, na União Europeia e nos organismos de tutela portuguesa. Devem percorrer-se os inquéritos industriais e as reflexões das personalidades relevantes da política e da cultura portuguesa. Finalmente, urge retomar os trabalhos daqueles que, antes de nós, trataram a matéria com maior profundidade em todas as vertentes, desde as técnico-científicas às económicas, sociais e culturais e fazer o levantamento dos fundos documentais a propósito de todas as fases do ciclo produtivo tanto nos arquivos centrais como nos municipais, empresariais e outros. Este artigo foi apresentado ao I Encontro Anual Indústria, História, Património, na forma de comunicação, e é a primeira contribuição de um projeto mais extenso.

A Economia da Cultura: Vetor Estratégico de Desenvolvimento para Portugal

A Economia da Cultura está a revelar-se uma nova disciplina cada vez mais importante para o desenvolvimento dos países em processo que se iniciou depois da Segunda Grande Guerra e se afirmou, decididamente, nos anos noventa do século XX. Enquanto ramo da economia que se interessa pelos aspetos económicos da criação, da distribuição e do consumo de obras de arte, aquela é um vetor estratégico para o crescimento dos países. Segundo o Banco Mundial, a Economia da Cultura corresponde a 7,0% do PIB mundial, a 7,7% do PIB dos EUA e a 8,2% do PIB do Reino Unido. Em termos de emprego, representa 4,0% do emprego total nos EUA e 6.4% do emprego na Inglaterra (Banco Mundial, 2006). Ainda segundo esta entidade, neste momento, os bens culturais constituem a principal exportação dos EUA. Assim, a Economia da Cultura é hoje o setor de maior dinamismo da economia mundial, tendo registado nos primeiros anos da década passada uma taxa de crescimento de 6,3% ao ano, quando o conjunto da economia cresceu apenas à taxa de 5,7%.

Achegas da Arqueologia à História da Covilhã:
o património urbano e a cintura das muralhas

  • Michael Heinrich Josef Mathias
  • mmathias@ubi.pt
  • Universidade da Beira Interior

O presente artigo tem como objetivo apresentar algumas observações arqueológicas e comentários, sobre a ocupação medieval da “vila da Covilhã”, que o autor teve oportunidade de fazer nos últimos anos e relatar as experiências adquiridas no âmbito dos serviços prestados pelo Centro de Estudo e Proteção do Património da Universidade da Beira Interior. O acompanhamento arqueológico de obras de reconstrução de edifícios em zonas históricas continua a ser importante, porque fornece peças novas de um “puzzle” que permitem completar cada vez mais a imagem do passado dos centros urbanos.

Os mosteiros Cistercienses na região das Beiras

  • Ana Maria Tavares Martins
  • amtfm@ubi.pt
  • Universidade da Beira Interior

Foi na região das Beiras que surgiu o berço do qual irradiaram muitos dos mosteiros da Ordem de Cister. A implantação foi muito difícil, mas totalmente integrada no espírito cisterciense que buscava a comunhão com a natureza, o isolamento e o afastamento do bulício das cidades. Aqui, encontram-se notáveis exemplares arquitetónicos desta Ordem que, apesar de distintos, comungam da mesma expressividade marcante associada eternamente a uma espiritualidade, a um ideal e a uma linguagem inicialmente austera, quase minimal.

A máquina do mundo: a engenharia e os lanifícios em uma região inteligente

  • António dos Santos Pereira
  • asp@ubi.pt
  • Universidade da Beira Inteiror
  • Director do Museu de Lanifícios

O entendimento do cosmos e da sua constituição ocupa o pensamento do homem desde que este é capaz de refletir. Neste ensaio, tenta-se perceber as perspetivas cosmológicas antigas por se acreditar que antes de construir mecanismos foi necessário imaginá-los. Na representação da máquina do mundo, estão envolvidas as inteligências superiores da História Humana: Pitágoras, Aristóteles Ptolomeu, Pedro Nunes, Copérnico, Galileu, Newton, Einstein e Stephen Hawking, entre outros. Esta é apenas uma extensa introdução para concluir com Richard Florida que se devem considerar as regiões, como a Beira Interior, cada vez mais em termos organizacionais, no âmbito económico e tecnológico, para o desenvolvimento à escala global. Aqui fica, assim, em artigo, a conferência, proferida no Museu de Lanifícios, no 25º aniversário da Delegação de Castelo Branco da Ordem dos Engenheiros.

Superexploração: uma categoria explicativa do trabalho precário

  • Ana Elizabete Mota
  • bmota@elogica.com.br
  • Professora Titular da UFPE
  • Pós-doutoramento no SOCIUS/ISEG/UTL
  • Bolsista CAPES

O objeto da presente investigação é constituído pelas transformações no mundo laboral, particularmente as suas incidências sobre os processos e as relações de trabalho. A investigação baseia-se nas categorias da crítica da economia política e envereda numa reflexão sobre as determinações iminentes da dinâmica do capitalismo contemporâneo, no âmbito das relações de trabalho e dos mecanismos acionados pelo Estado e pelas classes dominantes no processo de reprodução social, aqui concebidas como meios de restauração da crise capitalista.

El Movimiento Social Como Forma Política: El Caso Portugués (1834-1910)

Trata-se de uma reflexão inaugural sobre as mudanças nas formas coletivas de protesto em Portugal no século XIX, usando os conceitos de repertório e movimento social propostas por Charles Tilly. Discute-se primeiramente a especificidade do movimento social e depois analisa-se como esta forma de ação foi sendo adotada em paralelo com a construção, a ritmos heterogéneos, do espaço político nacional.

A organização política da classe operária do século XIX

  • Reivan Marinho de Souza

Este trabalho versa sobre os movimentos organizativos do operariado no Século XIX. Esses movimentos resultaram do acirramento da luta de classes na fase concorrencial do capitalismo, sendo fundados, desse modo, pela contradição histórica entre capital e trabalho que determinará dali por diante o desenvolvimento da sociedade capitalista. A classe operária expõe seu enfrentamento em reação às inflexões da dinâmica voraz dos capitalistas por lucros. Neste momento, o proletariado aglutinou forças políticas, possibilitando a formação de uma consciência revolucionária e a transição da sua condição de “classe em si” ao estatuto de “classe para si”. Isso culminou com a eclosão de movimentos operários que marcaram o referido século, como o sindicalismo operário, o luddismo e o cartismo, as Revoluções de 1848 e a Comuna de Paris de 1871.

Que agenda de investigação para as relações laborais no século XXI?

  • Hermes Augusto Costa
  • hermes@fe.uc.pt
  • Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
  • Centro de Estudos Sociais

O termo “relações laborais” ou “relações industriais” suscitou historicamente várias reflexões que permitiram situar o papel do movimento sindical. Ao longo do tempo, tais “relações” nunca deixaram se de configurar como assimétricas, mesmo no período dos “30 gloriosos” em que o Estado-Providência e o pleno emprego se consagraram como mecanismos redistributivos e de garante de consenso e o neocorporativismo como disposição institucional de relações consensuais entre o governo e os interesses sociais organizados. A agenda de investigação em relações laborais é hoje fortemente marcada por políticas de austeridade que colocam em cheque o papel tradicional das organizações sindicais. Importará, por isso, recuperar algumas das tradições teóricas de relações laborais e ver em que medida elas se adequam ao clima de retrocesso social vivido no campo das relações laborais. Por outro lado, tendo por referência o caso português, enunciam-se alguns temas de investigação emergentes neste campo.

Experiências Coletivas, Solidariedades e Identidades: o caso do movimento operário da Covilhã

A história e a memória vivida e contada do movimento operário e dos movimentos sociais são peças fundamentais para compreender os significados e as representações dos indivíduos e dos grupos sobre as experiências coletivas, as solidariedades e a construção das identidades coletivas. Neste artigo, pretendo explorar a importância desses três processos no movimento operário da Covilhã. A maioria dos trabalhos em torno da história do movimento operário centra-se sobretudo nos aspetos da luta política sindical do movimento, de que são exemplos as greves ou a criação das associações de classe. Contudo, com base numa perspetiva, em simultâneo, sociológica, histórica e antropológica, pretendo discutir em que medida estes aspetos particulares da cultura e da vivência operária são também, em si mesmos, parte intrínseca do movimento operário, da sua expressão, diversidade e possibilidade emancipatória. Assim, a partir do discurso direto de quem viveu e construiu as culturas operárias na Covilhã, aprofundarei a sua base cultural e o seu quotidiano de resistência na segunda metade do século XX.

As lutas dos operários têxteis da Bacia do Ave, 1956-1974, e algumas questões da história do movimento operário

  • José Manuel Lopes Cordeiro
  • jmlopes.cordeiro@gmail.com
  • Universidade do Minho
  • CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória».

Este ensaio quer contribuir para o delineamento da memória dos conflitos socias e da participação operária no sindicatos, através das fontes possíveis: a imprensa e os gabinetes da esquerda portuguesa concentrada no PCP durante a Ditadura Militar e o Estado Novo, geralmente em situação clandestina. Em simultâneo, nele se pretende perceber o momento em que os mesmos entraram nas preocupações dos cientistas sociais que como nós se preocupam com as referências espaciais e de empresa, particularmente desde os primórdios da década de oitenta do século passado. Entretanto, sem outras fontes do que aquela imprensa, aqui fica o espelho das lutas operárias no vale do Ave naquele período.

A Militância no Feminino nos Primórdios do Sindicalismo em Portugal

  • Paulo Marques Alves
  • paulomarquesalves@sapo.pt
  • ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa
  • DINÂMIA’CET-IUL, Lisboa, Portugal

O sindicalismo nasceu andro-centrado, o que permitiu enraizar no movimento sindical uma cultura e uma dominação masculinas que ainda hoje subsistem em grande medida. Se bem que nos seus primórdios tivessem sido criadas algumas organizações mistas, atos de descriminação contra as mulheres acabaram por levá-las a formar sindicatos próprios, que permaneceram ativos até depois da I Guerra Mundial no Reino Unido. Organizações exclusivamente femininas foram igualmente constituídas em França, quer na CGT, ainda que de curta duração, quer na CFTC, tendo estas perdurado até à ocupação nazi. Outras experiências mantiveram-se até muito recentemente, como sucedeu com o KAD dinamarquês, fundado em 1901. A “militância no feminino”, tradicionalmente menos intensa, ao ser travada por fatores de ordem social, económica e cultural, foi durante muito tempo envolta no silêncio, tendo sido necessário esperar pelos últimos trinta anos para se verificar um considerável incremento na investigação científica neste domínio. O mesmo silêncio regista-se igualmente em Portugal. As mulheres encontram-se completamente ausentes das obras que analisam o movimento sindical e os militantes no dealbar do século XX. Esta comunicação, baseada em análise documental, é um primeiro contributo para tirar da sombra a militância sindical das mulheres portuguesas durante esse período histórico.

Lobbying industrial e (des)regulamentação da atividade mineira – notas a partir de um conflito sócio-ambiental no final da I República

  • Pedro Gabriel Silva
  • pgpsilva@utad.pt
  • Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
  • Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento
  • HISTAGRA/Universidade de Santiago de Compostela

Ao longo do século XX, o agro português foi pródigo em situações de conflitualidade entre a atividade extrativa mineira e os interesses ligados à exploração agrícola, num quadro de ação contestatária amiúde participada pelas comunidades locais. Trabalhos de Francisco Vitorino (2000), Paulo Guimarães (2001), Pereira Lage (2002), Inês Fonseca (2007), Leal da Silva (2011), entre outros, forneceram contributos inestimáveis para o estudo da conflitualidade social decorrente da penetração do sector mineiro nos quadros de produção agrária. Trata-se de referências fundamentais para a leitura das tensões sociais e para a compreensão das dinâmicas de mobilização coletiva face ao agenciamento dos consórcios industriais, ao mesmo tempo que revelam os alinhamentos políticos, que legitimaram as atuações empresariais hegemónicas antes e durante o Estado Novo. Na esteira destes trabalhos, o presente artigo toma por objeto um conflito socio-ambiental desencadeado em 1923 no concelho da Guarda. O protesto, cujo rasto pode ser seguido na imprensa regional e no arquivo do Governo Civil egitaniense, estendeu-se até 1926, altura em que findam os testemunhos documentais. Partindo do caso da exploração de estanho desenvolvida no vizinho vale da Gaia e dos respetivos danos ambientais, um movimento animado por figuras eminentes do Partido Republicano da Guarda encabeçou uma ação de resistência à dragagem das jazidas de estanho dos vales aluviais do Mondego e das imediações da freguesia de Pega. O conflito permite equacionar a relação entre o descontentamento popular, a perceção da ameaça de perda de recursos e a iniciativa partidária local no quadro das lutas políticas da I República. Na sequência deste conflito, foram levadas à discussão parlamentar pela mão de deputados eleitos pelo círculo da Guarda propostas legislativas de proteção dos solos agrícolas cujos efeitos limitavam enormemente a atividade mineira a céu-aberto. Assim, o conflito cruza o campo das discussões em torno das políticas de desenvolvimento agrário da época e a questão da proteção dos recursos fundiários. À iniciativa legislativa dos parlamentares, correspondeu uma série movimentações por parte de consórcios mineiros estrangeiros com vista a condicionar eventuais decisões contrárias aos seus interesses. Documentação empresarial diversa põe em evidência a ação política, tanto de caciques e elites intelectuais locais junto das esferas de decisão legislativa nacional, como os exercícios de lobbying empresarial internacional junto dos decisores políticos portugueses.

Turismo como não-turismo: confluências e inflexões do filme turístico em filmes do período (pós-) revolucionário (1974-1980)

O filme turístico foi um dos géneros mais produzidos e divulgados durante o Estado Novo, de tal modo que as imagens da nação que emanaram do regime continuam a ser comparadas a bilhetes-postais ou panfletos turísticos. Inserido no âmbito mais vasto de uma investigação sobre o filme turístico em Portugal – um projeto que me encontro a desenvolver nos arquivos da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema (ANIM) desde Março de 2012 – o artigo discute de que forma alguns filmes do período (pós-) revolucionário (1974-80) procuraram lidar com esta herança. Nas duas produções alternativas que analiso – Avante com a Reforma Agrária (1977, 20’), realizado pela Unidade de Produção Cinematográfica Nº 1, e Parque Natural da Serra da Estrela (1980, 28’), produzido pela Cooperativa Documentário – sobressai a procura de um distanciamento em relação a práticas, sons e imagens associadas ao filme turístico, que passa por uma reconfiguração do conceito de ‘turismo’ em termos de ‘não-turismo’, ou mesmo ‘anti-turismo’, e que coloca em evidência o tipo de tensões e contradições que o tema é capaz de convocar.

A Greve de 1943 no Barreiro. Resistência e usos da memória

Embora Portugal fosse um país neutral, a primeira metade da década de 40 do século XX foi ali dominada por profunda agitação social, a que não era alheia a existência de um conflito à escala mundial. A 27 de Julho de 1943 deflagra uma greve nas fábricas da Companhia União Fabril (CUF) que rapidamente alastrou a outras instalações fabris dessa vila industrial. Esse movimento foi organizado e conduzido pelo Partido Comunista Português que, à época também estava ocupado num processo auto-reorganizativo. A dimensão do movimento foi usada pela ditadura de Salazar para justificar a repressão ferozmente exercida contra essa vila, que irá culminar na sua ocupação militar durante anos. Refletir sobre o modo como as memórias da grande greve sobreviveram nos anos da ditadura e sobre os usos políticos da memória em torno das mesmas, são outras das questões abordadas neste texto.