Ao longo do século XX, o agro português foi pródigo em situações de conflitualidade entre a atividade extrativa mineira e os interesses ligados à exploração agrícola, num quadro de ação contestatária amiúde participada pelas comunidades locais. Trabalhos de Francisco Vitorino (2000), Paulo Guimarães (2001), Pereira Lage (2002), Inês Fonseca (2007), Leal da Silva (2011), entre outros, forneceram contributos inestimáveis para o estudo da conflitualidade social decorrente da penetração do sector mineiro nos quadros de produção agrária. Trata-se de referências fundamentais para a leitura das tensões sociais e para a compreensão das dinâmicas de mobilização coletiva face ao agenciamento dos consórcios industriais, ao mesmo tempo que revelam os alinhamentos políticos, que legitimaram as atuações empresariais hegemónicas antes e durante o Estado Novo. Na esteira destes trabalhos, o presente artigo toma por objeto um conflito socio-ambiental desencadeado em 1923 no concelho da Guarda. O protesto, cujo rasto pode ser seguido na imprensa regional e no arquivo do Governo Civil egitaniense, estendeu-se até 1926, altura em que findam os testemunhos documentais. Partindo do caso da exploração de estanho desenvolvida no vizinho vale da Gaia e dos respetivos danos ambientais, um movimento animado por figuras eminentes do Partido Republicano da Guarda encabeçou uma ação de resistência à dragagem das jazidas de estanho dos vales aluviais do Mondego e das imediações da freguesia de Pega. O conflito permite equacionar a relação entre o descontentamento popular, a perceção da ameaça de perda de recursos e a iniciativa partidária local no quadro das lutas políticas da I República. Na sequência deste conflito, foram levadas à discussão parlamentar pela mão de deputados eleitos pelo círculo da Guarda propostas legislativas de proteção dos solos agrícolas cujos efeitos limitavam enormemente a atividade mineira a céu-aberto. Assim, o conflito cruza o campo das discussões em torno das políticas de desenvolvimento agrário da época e a questão da proteção dos recursos fundiários. À iniciativa legislativa dos parlamentares, correspondeu uma série movimentações por parte de consórcios mineiros estrangeiros com vista a condicionar eventuais decisões contrárias aos seus interesses. Documentação empresarial diversa põe em evidência a ação política, tanto de caciques e elites intelectuais locais junto das esferas de decisão legislativa nacional, como os exercícios de lobbying empresarial internacional junto dos decisores políticos portugueses.